Criptografia Quântica

Introdução

A seguir explicarei como funciona esse método, denominado criptografia quântica:

Uma usuária chamada Alice quer estabelecer uma chave única com um segundo usuário, Paulo. Alice e Paulo são os protagonistas. Vamos supor que Paulo é um banqueiro com quem Alice gostaria de realizar negócios.

Se Alice e Paulo pudessem estabelecer uma chave única, eles teriam a possibilidade de usá-la para se comunicarem com segurança. A pergunta é: como eles podem estabelecê-la sem trocar DVDs, CDs, ou qualquer outro tipo de material que contenha a chave armazenada? Suponhamos que Alice e Paulo estão em extremidades opostas de um cabo de fibra óptica pelo qual podem enviar e receber pulsos de luz. Porém, uma intrusa chamada Maria pode cortar a fibra e criar um grampo ativo. Maria pode ler todos os bits em ambos os sentidos. Ela também pode enviar falsas mensagens nos dois sentidos. A situação pode ser um grande problema para Alice e Paulo, mas a criptografia quântica pode trazer uma nova luz sobre o assunto.

A criptografia quântica se baseia no fato de que a luz se propaga em pequenos pacotes chamados fótons, que apresentam algumas propriedades peculiares. Além disso, a luz pode ser polarizada ao passar por um filtro de polarização, um fato bem conhecido para os usuários de óculos de sol e fotógrafos. Se um feixe de luz (isto é, um fluxo de fótons) passar por um filtro de polarização, todos os fótons que sairem dele serão polarizados na direção do eixo do filtro (por exemplo, vertical). Se o feixe passar agora por um segundo filtro de polarização, a intensidade da luz que emergirá do segundo filtro será proporcional ao quadrado do cosseno do ângulo entre os eixos. Se os dois eixos forem perpendiculares, nenhum fóton passará pelo filtro. A orientação absoluta dos dois filtros não importa; só interessa o ângulo entre seus eixos. 

Para gerar uma chave única, Alice precisa de dois conjuntos de filtros de polarização. O primeiro conjunto consiste em um filtro vertical e um filtro horizontal. Essa escolha é chamada base retilínea. Uma base é apenas um sistema de coordenadas. O segundo conjunto de filtros é idêntico, exceto por estar deslocado 45 graus, de forma que um filtro abrange desde o canto inferior esquerdo até o canto superior direito, e o outro filtro abrange desde o canto superior esquerdo até o canto inferior direito. Essa escolha é chamada base diagonal. Desse modo, Alice tem duas bases, que ela pode inserir rapidamente em seu feixe à vontade. Na realidade, Alice não tem quatro filtros separados, mas um cristal, cuja polarização pode ser trocada eletricamente para qualquer das quatro direções permitidas, em alta velocidade. Paulo tem o mesmo equipamento de Alice. O fato de Alice e Paulo terem cada um duas bases disponíveis é essencial para a criptografia quântica.

Exemplo de funcionamento

Para cada base, Alice atribui agora uma direção como 0 e a outra como 1. No exemplo apresentado a seguir, vou supor que ela escolhe a direção vertical como 0 e a horizontal como 1. Independentemente, ela também escolhe do canto inferior esquerdo até o canto superior direito como 0, e do canto superior esquerdo até o canto inferior direito como 1. Alice envia essas escolhas a Paulo como texto simples.

Agora, Alice escolhe uma chave única, por exemplo com base em um gerador de números aleatórios. Ela o transfere bit por bit para Paulo, escolhendo uma de suas bases ao acaso para cada bit. Para enviar um bit, sua pistola de fótons emite um fóton polarizado de maneira apropriada, conforme a base que ela está usando para esse bit. Por exemplo, ela poderia escolher as bases diagonal, retilínea, retilínea, diagonal, retilínea etc. Dada a chave única e a seqüência de bases, a polarização a ser usada para cada bit é determinada de forma exclusiva. Bits enviados um fóton de cada vez são chamados qubits.

Paulo não sabe que base usar, e assim escolhe uma base ao acaso para cada fóton que chega e simplesmente o utiliza. Se escolher a base correta, ele receberá o bit correto. Se escolher a base incorreta, ele receberá um bit aleatório porque, se um fóton acessar um filtro polarizado a 45 graus em relação à sua própria polarização, ele saltará ao acaso para a polarização do filtro ou para uma polarização perpendicular à do filtro, com igual probabilidade. Essa propriedade dos fótons é fundamental para a mecânica quântica. Desse modo, alguns bits estão corretos e alguns são aleatórios, mas Paulo não consegue distinguí-los.

De que maneira Paulo pode descobrir quais são as bases corretas e quais são as erradas entre as que recebeu? Ele simplesmente diz a Alice que base usou para cada bit em texto simples, e ela lhe diz quais são as bases corretas e quais são as erradas em texto simples. A partir dessas informações, ambos podem construir um string de bits com os palpites corretos. Em média, esse string de bits terá metade do comprimento do string de bits original mas, como ambas as partes o conhecem, elas poderão usá-lo como uma chave única. Tudo que Alice tem a fazer é transmitir um string de bits um pouco maior que o dobro do tamanho desejado, para que ela e Paulo tenham uma chave única com o comprimento apropriado. Problema resolvido.

Mas e os grampos?

Esquecemos de Maria. Vamos supor que ela esteja curiosa para saber o que Alice tem a dizer e corte o cabo de fibra, inserindo seu próprio detector e transmissor. Infelizmente para Maria, ela também não sabe que base usar para cada fóton. O melhor que ela pode fazer é escolher uma base ao acaso para cada um dos fótons, como o Paulo fez.

Quando mais tarde Paulo informar (em texto simples) que bases usou e Alice disser a ele (em texto simples) quais delas estão corretas, Maria saberá quando acertou e quando errou. No entanto, Maria sabe pela resposta de Alice que só os bits 1, 3, 7, 8, 10, 11, 12 e 14, por exemplo fazem parte da chave única. Em quatro desses bits (1, 3, 8 e 12), ela acertou seu palpite e captou o bit correto. Nos outros quatro (7, 10, 11 e 14), ela errou e não sabe qual bit foi transmitido. Desse modo, Paulo sabe que a chave única começa com 01011001, mas tudo que Maria tem é 01?1??0?.

É claro que Alice e Paulo estão cientes de que Maria talvez tenha captado parte de sua chave única, e assim gostariam de reduzir as informações que Maria tem. Eles podem fazer isso executando uma transformação na chave. Por exemplo, poderiam dividir a chave única em blocos de 1024 bits e elevar ao quadrado cada uma para formar um número de 2048 bits, usando a concatenação desses números de 2048 bits como a chave única. Com seu conhecimento parcial do string de bits transmitido, Maria não tem como gerar seu quadrado e, portanto, não tem nada. A transformação da chave única original em uma chave diferente que reduz o conhecimento de Maria é chamada amplificação da privacidade. Na prática, são usadas transformações complexas em que todo bit de entrada depende de cada bit de saída em lugar da elevação ao quadrado.

Logo Maria não tem nenhuma idéia de qual é a chave única, e sua presença não é mais secreta. Afinal, ela tem de retransmitir cada bit recebido para Paulo, a fim de levá-lo a pensar que está se comunicando com Alice. Porém, o melhor que ela pode fazer é transmitir o qubit que recebeu, usando a mesma polarização que empregou para recebê-lo, e durante cerca de metade do tempo ela estará errada, provocando muitos erros na chave única de Paulo.

Quando finalmente começar a transmitir dados, Alice os codificará usando um pesado código de correção antecipada de erros. Do ponto de vista de Paulo, um erro de 1 bit na chave única é o mesmo que um erro de transmissão de 1 bit. De qualquer modo, ele receberá o bit errado. Se houver correção antecipada de erros suficiente, ele poderá recuperar a mensagem original apesar de todos os erros, mas poderá contar com facilidade quantos erros foram corrigidos.

Se esse número for muito maior que a taxa de erros esperada do equipamento, ele saberá que Maria grampeou a linha e poderá agir de acordo (por exemplo, informando a Alice que ela deve mudar para um canal de rádio, chamar a polícia etc.). Se Maria tivesse um meio de clonar um fóton, de forma que ela tivesse um fóton para inspecionar e um fóton idêntico para enviar a Maria, ela poderia evitar a detecção mas, no momento, não se conhece nenhum modo perfeito de clonar um fóton. No entanto, mesmo que Maria pudesse clonar fótons, o valor da criptografia quântica para estabelecer chaves únicas não seria reduzido.

Embora a criptografia quântica opere sobre distâncias de até 60 km de fibra, o equipamento é complexo e dispendioso. Ainda assim, a idéia é promissora para o futuro.

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